terça-feira, 11 de setembro de 2012

DICA DE LIVRO


É ISTO UM HOMEM ?

O Escritor Ítalo-judeu Primo Levi deixou  neste livrinho de 175 páginas, escrito de maneira simples e paradoxalmente um pouco divertido relato de sua passagem pelo campo de concentração de Auschwitz. Uma impressionante história de algo que ele denomina uma anti-história bíblica, uma má nova. Primo Levi descreve o dia-à-dia extenuante do Campo, as diversas nacionalidades e os problemas de comunicações por causa dos idiomas. Discorre sobre as penúrias físicas, os sapatos rotos, as camas duras e o limbo entre dormindo e acordado durante toda à noite até a hora da alvorada por volta das 04:00 da manhã quando os guardas comandavam o despertar.
O escritor recorda-se das pancadas contínuas dos Kapos (encarregados) e de como alguns Kapos compassivos batiam nos presos para aliviarem dores maiores: 

"Mordo fundo meus lábios; bem sabemos que provocar-se uma pequena dor acessória pode servir de estímulo para juntar as extremas reservas de energia. Também os Kapos sabem disso; alguns deles surram-nos quando estamos debaixo de carga quase carinhosamente, acompanhando os golpes com exortações e incitamentos, assim como fazem os carroceiros com seus esforçados cavalos."

E escreve uma frase na página 68, que fora do contexto pode parecer extremamente ridícula mas para quem ler o livro e sabe do que Levi está falando tem todo o sentido de uma realidade máxima:

"A latrina é um oásis de paz"

Medita ele ainda profundamente sobre a vida no Campo (pág 15):

"Cedo ou tarde, na vida, cada um de nós se dá conta de que a felicidade completa é irrealizável; poucos, porém, atentam para a reflexão oposta: que também é irrealizável a infelicidade completa. Os motivos que se opõem à realização de ambos os estados-limite são da mesma natureza; eles vêm de nossa condição humana, que é contra qualquer "infinito" . Assim, opõem-se a esta realização o insuficiente conhecimento do futuro, chamado de esperança no primeiro caso e de dúvida quanto ao amanhã, no segundo. Assim opõem-se a ela a certeza da morte, que fixa um limite a cada alegria, mas também a cada tristeza. Assim, opõem-se as inevitáveis lides materiais que, da mesma forma como desgastam com o tempo toda a felicidade, desviam a cada instante a nossa atenção da desgraça que pesa sobre nós tornando a sua percepção fragmentária, e, portanto, suportável.
Foram justamente as privações, as pancadas, o frio, a sede que, durante a viagem e depois dela, nos impediram de mergulhar no vazio de um desespero sem fim. Foi isso. Não a vontade de viver, nem uma resignação consciente: dela poucos homens são capazes, e nós éramos apenas exemplares comuns da espécie humana. "
Esta compreensão de que nem mesmo a dor será infinita pois morreremos enfim e de que os maiores prazeres também são finitos e se acabarão me fez recordar desta monografia aqui que muito me ajudou. Ao ler as palavras do ex-prisioneiro do campo de concentração me veio a memória imediatamente as deste outro autor. O Autor sem o saber estava vibrando em ressonância com Primo Levi e disse algo na mesma direção, sem as porradas da dura máter/ matéria dura, só na teoria. Veja aí e compare:


"...O segredo da felicidade, apesar de alardeado como tão misterioso, é tão estranhamente simples que por vezes pode escapar de vista pelo simples fato de insistirmos em procurar em contextos mais complicados.
Em síntese, podemos descrever tal “segredo” na forma de duas proposições praticamente axiomáticas: Reconhecer que toda e qualquer coisa apresenta aspectos agradáveis e desagradáveis, e agir de modo a maximizar os aspectos agradáveis e minimizar os desagradáveis 
Toda e qualquer coisa” significa literalmente qualquer tipo de fenômeno existencial concebível e vivenciável. A vida mais luxuriosa, abastada e despreocupada possível apresenta os aspectos negativos da falta de desafio, da possibilidade do tédio, da desilusão, do medo da perda etc.
A situação mais desprezível, miserável e aversiva possível apresenta os aspectos positivos da possibilidade de fortalecimento, de conhecimento de situações adversas, da oportunidade de demonstrar superação e heroísmo.
A pessoa feliz, bem como o otimista, se é que haja alguma diferença, é simplesmente alguém que enfoca os aspectos naturalmente agradáveis da situação, e como a grande maioria de nós vive longe desses extremos acima concebidos, o leque de escolhas sobre o que valorizar e maximizar é, em geral, bastante vasto. Assim, justificamos a noção trivial de que a pessoa otimista se sente feliz pelo que já conquistou e se sente animada pela possibilidade de conquistar mais, enquanto o pessimista despreza o que conquistou e sonha com o que não conquistou, e ou se concentra em sua incapacidade de conseguí-lo..." (Marcus Valério)



Outro trecho do livro de Levi que me chamou a atenção foi:

"Se, do interior do campo, uma mensagem tivesse podido filtrar até os homens livres, deveria ter sido esta: procurem não aceitar em seus lares o que aqui nos é imposto". 

O que ele quer dizer é o seguinte: algumas coisas desumanizam o ser humano, algumas coisas os objetalizam, os transformam em meras coisas e que isto é tão grave, mas tão grave que não deveria ser aceito nem mesmo dentro de casa. Nem mesmo em germe, como em um Mini-Campo e nós homens livres não deveríamos aceitar no ambiente onde podemos atuar algo que foi imposto num Campo de Extermínio.
Ele diz ainda:

"Uma parte da nossa existência está nas almas de quem se aproxima de nós; por isso, não é humana a experiência de quem viveu dias nos quais o homem foi apenas uma coisa ante os olhos de outro homem. Nós três ficamos em grande parte imunes a isso e por essa razão nos devemos gratidão recíproca. Minha amizade com Charles resistirá ao tempo."

 Até o próximo